Vamos transformar alguma coisa juntos?

Escolher as bandas que farão a parte de um grande evento é uma dessas responsabilidades cheias de entremeios. Há algumas semanas eu assumi esse risco ao ser convidado para listar os grupos que farão a abertura de um festival em Jundiaí.

Foram cinco os escolhidos. Os critérios: serem da cidade e região, terem trabalhos publicados oficialmente e, sobretudo, representarem novidade na cena. Uma grande lista de bandas (e mensagens) chegaram depois que divulguei os selecionados — junto de críticas de todos os tipos. Quando um evento dessa dimensão acontece é natural que todos queiram estar lá.

Eu não sou o maior conhecedor das bandas da região. Vou a shows menos do que gostaria, mas tento me manter atualizado sobre o que acontece (obrigado, internet!). E estamos falando de música autoral, um ambiente vasto e onde a comunicação falha com frequência, logo muitas coisas acabam ficando de fora do radar.

Parênteses: com quase 500 mil habitantes, Jundiaí segue sendo um vilarejo quanto aos hábitos culturais da grande maioria. Já nos guetos, as ansiedades frequentemente acabam por colocar carroça na frente dos bois quando surgem oportunidades e discussões importantes.

De volta ao ponto crítico: um pequeno grupo de pessoas apontou a ausência de mulheres dentre as atrações do evento. Apesar da observação pertinente, o assunto gerou tensões até entre quem nada tinha a ver com as decisões internas do evento.

Recuei para observar os fatos, há pouco espaço para diálogo no tribunal das redes sociais. Sou apenas um profissional contratado que, por acreditar no desenvolvimento das potências locais, lutou pela oportunidade de protagonizar os artistas daqui. Se escrevo agora é por respeito as pessoas amigas atingidas pela história: reconheço que faltou cuidado no equilíbrio dos gêneros na curadoria.

Dentre os poucos que chegaram para conversar longe dos holofotes digitais, foi consenso a importância de colocar as bandas daqui em cena apesar da situação. Raros são os eventos comerciais que dão espaço para artistas regionais sem grande$ número$ envolvido$.

Em contraponto, o silêncio sobre outros eventos que acontecem nas mesmas condições diz muito sobre como colaboramos para a manutenção das hegemonias na cidade. Com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, é natural reagirmos apenas quando algo atinge os nossos interesses. Fazemos isso a todo momento. É assim que o discurso de valorização da cultura local falha.

É fácil apontar um erro e parar por aí. Deixar de reconhecer os esforços de cada artista, os compromissos estabelecidos e as questões técnicas envolvidas abre espaço para dissabores e rachaduras em um cenário que já é frágil por natureza. Também não faz sentido combater um possível aliado como se fosse inimigo. Fora da bolha, a ausência de unidade é perigosa e proporciona desde um baixo número de eventos nas praças até o desmonte de políticas públicas.

Precisamos realinhar expectativas e calibrar emoções pelo bem da construção. Também precisamos redescobrir o diálogo.

Vamos transformar alguma coisa juntos?


Sobre o evento: é tecnicamente inviável alterar a escalação no momento, mas opções foram dadas às bandas envolvidas — desde a desistência até a abertura para participações de artistas mulheres. Fica o aprendizado para as próximas edições.

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